eu morri a são silvestre
Há oito meses atrás eu aceitei o maior desafio do mundo. Eu, que nunca tinha corrido na vida, iria me preparar para correr a famosa São Silvestre. Nos primeiros dois meses eu já estava conseguindo correr 5km e estava me achando um máximo por isso. Cada dia, cada corrida, cada treino, eram uma vitória pra mim.
Eis que o meu joelho, que já não é dos melhores, dá sinal de vida e pede para que eu lembre que ele existe. Foi quando eu dei um tempo nos treinos e fui cuidar do joelho. O joelho dá uma melhorada, eu volto, ele fica ruim de novo, e eu cuido, e volto, e milhões de coisas acontecem e a verdade é que aos poucos eu fui deixando os treinos. Questões físicas, psicológicas, tempo e vários outros fatores foram somando para que eu ficasse cada vez mais distante das pistas de corrida. Mas eu queria correr mesmo assim.
Mesmo sem estar devidamente preparada para correr os 15km da São Silvestre, eu estava pensando no objetivo de terminar a prova. Mesmo que fosse andando, me rastejando, por último. Eu queria terminar a prova. Eis que, durante a viagem pra Natal e Noronha, eu terminei de lascar o joelho quando pulei muito errado de cima do buggy. Foi uma dor que vocês não imaginam. E desde lá até a viagem pra São Paulo foram dias e dias de gelo. Eu pensei em desistir, em não embarcar e aceitar que fui vencida pela dor. Ali eu vi que não tinha condições de correr.
Mas eu tinha aceitado o desafio. Muita gente torceu, acreditou e me deu força. Tantas palavras de carinho, mensagens de estímulo e tudo mais, para eu simplesmente desistir sem nem tentar? Então eu decidi que sim, eu iria correr a São Silvestre. Nem que fosse só pra ter a emoção da largada e depois pegar um taxi pra voltar pro hotel. Nem que fosse pra não correr, só andar, até onde conseguisse. E eu fui.
E não consigo ter palavras para descrever o que é a São Silvestre. Toda aquela alegria de 25 mil pessoas juntas. Gente fantasiada, pagando promessa, cadeirantes, idosos, famílias, cidades do Brasil inteiro, faixas, homenagens, tudo que se pode imaginar. É uma atmosfera de felicidade, superação, euforia. Uma coisa única.
Exatamente na hora da largada começa a chover na Avenida Paulista, e aquele mundo de gente vai correndo e sorrido e correndo e sorrido. Gente gritando e acenando para as câmeras e para quem estava lá assistindo. As pessoas vão pro meio da rua ver a corrida como se fosse um verdadeiro espetáculo. Ficam lá dando força, palavras de incentivo e até chamam a gente pelo nome, que fica escrito no número que vai na nossa camisa. Crianças com as mãos estendidas pra gente passar batendo, cachorros latindo, famílias com bebês de colo nos carrinhos. A cidade de São Paulo para, literalmente, pra ver a São Silvestre.
E foi nesse clima que eu fui correndo, e correndo, e nem me dei conta que em 15 minutos eu tinha corrido os dois primeiros quilômetros sem parar. Nesse momento eu achei que fosse conseguir terminar a prova. E então comecei a variar a corrida com a andada, pra tentar poupar um pouco o joelho. Mas no meio do caminho tem várias decidas que, acreditem, são muito piores do que as subidas. O impacto é muito maior e a força que a gente faz pra segurar o corpo é muito grande. E foi justo nessas descidas que o meu joelho gritava de dor.
E, a cada quilômetro que passava eu sentia mais dor e mais tristeza, por saber que eu não ia conseguir chegar ao fim. E quando eu estava andando as pessoas passavam e perguntavam se estava tudo bem, me deva força pra continuar correndo. Teve até um cara que pegou na minha mão e saiu me puxando e dizendo “olha a duracell, vamo lá!”, foi muito engraçado. Mas logo depois e passar da marca dos 9km, eu não aguentei e parei. Com vontade de chorar, triste, com dor, arrasada e decepcionada comigo mesma. Mas parei.
Mesmo que todo mundo tenha dito que ter chegado aos 9km nas condições em que eu estava já foi uma vitória e tanto, eu fiquei muito triste de não ter concluído. De não ter conseguido. Me senti vencida e essa sensação de derrota foi muito, muito ruim. E foi assim que eu morri a São Silvestre e terminei com muita dor e sem medalha. Mas fiquei feliz de não ter desistido sem tentar, e de ter embarcado na energia mágica dessa corrida por mais da metade do percurso. Valeu super a pena, de verdade.
E eu tenho que agradecer a Fishy, que idealizou e viabilizou esse projeto tão grande, longo e complexo, e conseguiu executar de forma tão boa, organizada e feliz. E também ao Clube Perfformance, que encerrou as suas atividades depois de 30 anos de existência, no mesmo dia em que a gente estava lá, correndo a São Silvestre. Eu tenho certeza que todos nós fechamos com chave de ouro esse ciclo da academia, e eu tenho o maior prazer de ter feito parte desse desafio.
Parabéns pelo desafio incrível. Obrigada pela oportunidade de fazer parte dele. E desculpas por não ter conseguido. É isso.