eu não sou vegetariana (ou, minha experiência sem comer bicho)
Achei por bem começar logo cortando rótulo. Cada vez mais tenho dificuldade de me definir nas coisas, porque vou querer me definir por meus hábitos alimentares, né? Então digo logo que não sou, nunca fui e não sei se um dia virei a ser vegetariana. Dito isso, vou começar o post. :)
Lá em 2014 eu fiz um #DezembroSemCarne, onde me propus a passar um mês apenas sem comer carne vermelha. Por que? Porque eu quis, ué. Haha :P Quis experimentar e contei aqui nesse post como foi a experiência. Aí no ano passado, mais precisamente no dia 12 de setembro, eu estava almoçando nO Vegetariano, um dos meus restaurantes vegetarianos preferidos, e pensei: vou ficar um mês sem comer carne vermelha e frango, dessa vez. Aí pronto, lembrei que não tinha comido carne no café da manhã, tava almoçando no vegetariano e pensei: vou começar agora mesmo.
Então, como eu sou exibidjinha, tratei logo de compartilhar nas minhas redes sociais o meu novo desafio. Até porque eu tenho a ideia de que se eu falar pra mais gente vai ser mais fácil de manter o desafio e não me boicotar hahaha :P Foi quando Guilherme, meu amigo e responsável pelo restaurante vegano Flô de Jambo, resolveu lançar um desafio em cima do meu desafio: tira também o peixe e frutos do mar, e vem almoçar aqui no Flô de Jambo durante esse mês! Confesso que quando recebi a proposta foi fácil de aceitar, afinal, eu AMO a comida de lá e garantir um almoço maravilhoso e um cardápio variado pra esse mês restrito ia ser uma mão na roda pra mim. Claro que meu coração bateu forte quando pensei: um mês sem caranguejo! Mas segui firme e forte.
Aí me perguntam de novo: mas por que, Terrinha? Sem frescura, foi por mim. Não só pelos animais, não só pelo meio ambiente, não só pela economia orgânica, não só pelo consumo dos pequenos produtores, não só por essas coisas. Também, mas não só. Eu queria ver como o meu corpo ia reagir, queria experimentar. Eu já tento fazer um consumo mais “natureba” em algumas coisas, como produtos de limpeza, produtos de higiene que não testam em animais, cosméticos veganos, feira orgânica local, entre outras coisas. Mas queria experimentar tirar os bichos da alimentação e me observar.
Eu já estava num processo de comer menos carne vermelha. Em casa eu já não fazia mais. Aí comecei a comer muito frango, o que me fez enjoar também. Aí já tinha reduzido naturalmente meu consumo de carne vermelha e frango, e como peixe e frutos do mar não dá pra comer todo dia módi os preços, eu já tinha entrado numa vibe mais veggie sem nem perceber. Ao menos em casa, já que por conta disso eu aproveitava pra ser bem carnívora na hora de comer na rua. hehe :P
Apesar de que comecei a perceber que os meus pratos preferidos de alguns lugares já eram vegetarianos. Como o Falafel do Central, o Croissant Caprese do Castigliani, a esfirra vegetariana do saudoso Snaubar, o queijo coalho do Empório Sertanejo, entre outras coisas que facilitaram minha vida. :)
Confesso que não foi nada difícil passar um mês sem comer bichos. Não larguei ovo, queijo e nem derivados de leite, tá? Acho que isso deixa tudo mais fácil também. Mas achei que seria mais difícil pra mim. No segundo ou terceiro dia eu já comecei a sentir algumas coisas diferentes no corpo. Primeiro, meu intestino começou a funcionar. Eu tenho intestino preso desde que me entendo por gente. Fui aquela criança que tomou Almeida Prado 46, que não podia comer banana, que comia mamão e ameixa como se fosse remédio, e foi assim minha vida toda. Até que parei de comer bicho e ele começou a funcionar. Ganhou uma estrelinha.
Depois disso comecei a sentir que meu sono estava estranho. Eu tava acordando pra fazer xixi e não conseguia mais voltar a dormir. Eu acordava cedo e não conseguia dormir de novo. Só que eu comecei a reparar que não era porque meu corpo tava precisando descansar mais e eu não tava conseguindo, era exatamente o contrário. Meu corpo tava dizendo: bora, tá de boa, já tenho energia suficiente pra começar o dia. E o que restava era mais preguiça minha mesmo, hábito, vontade, não necessidade.
Bem, nós humanos gastamos a maior parte da nossa energia da digestão. E quando comemos carne (favor entender carne aqui como qualquer bicho), a digestão é ainda mais trabalhosa e demorada, ou seja, gastamos ainda mais energia pra transformar aquilo tudo em coco. E quando nossa digestão fica mais leve, sobra mais energia pra gente. Essa matemática de padaria também serviu para outras coisas. A meditação ficou mais fácil, a disposição durante o dia ficou melhor, fazer exercício tava mais animador, e depois que eu aprendi a lidar com o meu novo sono, até dormir ficou melhor.
Juntando um intestino que funciona melhor que nunca, meditação fluindo, sono saudável, nem preciso dizer que meu humor melhorou consideravelmente, né? Ainda bem, porque calhou de ser uma fase bem difícil da minha vida. Tomada de decisões, mudanças, tristezas, enfim. Ainda bem que aconteceu quando tinha que acontecer.
Além dos benefícios físico-psicológicos, entrar nessa dieta sem bicho me fez despertar outros sabores, conhecer outros lugares, testar outras receitas e ter outros assuntos com outras pessoas. Não foi uma experiência sobre o que eu como, sabe? Afinal, nunca é “só” sobre comida, porque o nosso alimento/ o que ingerimos, é a base de tudo na nossa vida. Claro, que isso na minha humilde opinião. Há quem viva numa dieta restrita total de alimentação e acredita nisso como a chave da vida, da espiritualidade e da iluminação. Mas, aqui pra nós, eu gosto muito de comida pra parar de comer. :P
Fiquei super feliz em receber o apoio de amigos e seguidores vegetarianos nessa minha empreitada. Mas, claro, nem tudo são flores. Ouvi umas coisas bem peculiares. O básico da família tradicional carnívora brasileira, perguntando o que é que eu ia comer agora e como eu ia me sustentar em pé. Hahaha :P Me coloquei um pouco na pele dos meus amigos vegetarianos que passam a vida toda respondendo a típica pergunta “e nem peixe?”, ou então tendo que dizer “eu como tudo, só não como bicho”. Tem horas que a gente quer desenhar, né? Pois é.
Ouvi também algo tipo “Por tudo que você faz pelos animais, por seu discurso de proteção, acho que você já devia ser vegetariana.”. Pera. Para tudo. Então quer dizer que se não for pra ser vegetariana é melhor nem resgatar gato de rua, porque né? É contraditório demais. Gente, por favor. Não vou chegar aqui pra dizer que é radicalismo ou não, quem sou eu pra julgar isso. Mas não me digam que eu devia ser vegetariana por gostar de bicho. O caminho é longo, as esferas são outras, e por mais que os pontos se toquem em algum lugar, ainda é outro ambiente pra mim. PRA MIM, tá? Desculpa.
Bem, as descobertas, gastronômicas ou não, foram muitas. O que foi de comer eu postei aqui na tag #terrinhavege no meu Instagram, se quiserem dar uma olhada.
Aí vem a pergunta: e então? Quando acabou o mês? Bem, a real é que eu não tive vontade nenhuma de voltar a comer carne. Nenhuma MESMO. E eu resolvi respeitar o meu organismo. Não demorou muito mais de uma semana depois desse mês pra eu correr pro meu caranguejo preferido da cidade, apesar do medo de passar mal. Deu tudo certo, meu organismo recebe bem que só esse bicho. hahaha :P Também comi marisco, aratu… Mas quando me perguntavam eu brincava dizendo que era “ovo-lacto-caranguejiana” já que caranguejo era o único bicho que eu tava comendo mesmo.
Quando viajei por umas praias do Rio Grande do Norte e da Paraíba em janeiro eu me peguei numa sinuca. O lugar que a gente foi, que era no meio do mangue e a gente chegou de barco, ou seja, não era só pedir a conta e ir embora, tinha caranguejo e marisco no cardápio. Mas tudo com MUITO coentro. Tipo, MUITO nível que eu não conseguia catar e comer. Eu não suporto coentro, acho que quem me conhece um pouco sabe disso. Foi quando eu comi peixe pela primeira vez, desde setembro. E eu resolvi sair dessa nóia.
Não quero o título de vegetariana. Eu gosto de comer carne. Eu amo comer bode. Eu gosto de comer peixe. Eu amo comer linguiça. Sim sim, eu amo os animais, a natureza, detesto o sistema de “produção” pra ter carne no prato. Mas eu acredito na redução de danos e no equilíbrio entre o que é bom pra mim e bom pro meio. Eu não como bicho, mas nesse meio tempo já comi um pedaço de bode no mercado, comi linguiça de bode, fiz carne de panela pro boy e comi um pouco, comi peixe dia desses, inclusive sushi, e vou caminhando e cantando e seguindo a canção.
Ah, e não tenta o argumento de “porque comer hambúrguer se tem hambúrguer vegetariano?!”. Gente, não. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Não é substituto. Até porque se for com esse ideal é bem fácil de ficar altamente frustrado. Esses dias comi um cachorro quente vegetariano no Orgânico 22 que foi uma das melhores coisas que comi nos últimos tempos. Mas não é pra comparar com cachorro quente de salsicha com bicho. É outra coisa, outro sabor, outra experiência. Pode ser melhor ou pior, a depender do seu paladar, mas é outra coisa e eu sugiro não comparar. :)
No final desse mês vou fazer uma viagem e passar 20 dias conhecendo lugares que eu nunca fui, outros países e culturas. Eu, que sou apaixonada por gastronomia, vou me privar de descobrir esses sabores? Não vou. Inclusive, já estou começando a inserir peixe e frutos do mar de novo na minha dieta, pro corpo ir se acostumando. Porque vou desbravar os mariscos do Pacífico em breve. Mas as opções de alimentação para os dias de estrada? Todas marcadas como dieta vegetariana. E é isso.
Minha experiência sem comer bicho foi e está sendo maravilhosa. Estou aprendendo muito comigo, com os outros e com os ambientes. E também estou aprendendo a não me julgar e nem me rotular. Acho que quando perguntarem se eu sou vegetariana eu vou responder “sou geminiana com ascendente em capricórnio e lua em câncer, pode ser?”. :P