nossa casa de veraneio
A casa de Maria Farinha existe desde antes de mim, e é pouco o que eu sei da história dela. Sei que foi praça de muita alegria, de amor, de festas, e de um pouco de choro, afinal, era uma casa, e não só veraneio. Ela viu uma coisa que eu nunca vi, que foi meu pai e minha mãe. Juntos. Na verdade, ela era um lugar que unia as pessoas. Era a nossa casa de veraneio.
Essa casa conseguiu juntar meu irmão e minha irmã, que não são irmãos, de sangue. Juntou eu e o irmão do meu irmão, que é meu irmão de amor. Conseguiu juntar minha mãe e a mãe do meu irmão. Juntou meus dois lados, a família Oliveira e a família Miranda. Juntou amigos, conhecidos, namorados. Juntou feijoada com carangueijo, marisco e churrasco. Juntou jipe com fusca e uma jangadinha. Lá era um lugar que tinha o poder de unir. A nossa casa da praia.
Na verdade é uma casa na praia, bem na praia mesmo. Na maré cheia a água bate na muretinha, onde muitas vezes eu estava deitada pra receber os respingos salgados do mar. E como a lua nascia amarela feito um queijo bem na frente da casa e o vetinho era uma delícia, não era nenhum sacrifício ficar do lado de fora a noite inteira.
Lembro de estar na casa por várias épocas da minha vida. E tenho sempre lembranças muito boas. Lembro de ir pra praia com sacos de supermercado para catar marisco, e voltar com eles cheios para minha tia Moema cozinhar pra todo mundo. Eu nunca comi um marisco igual ao que minha tia fazia lá na nossa casa.
Lembro de ir pra lanchonete comer sanduíche e refrigerante, que era a grande programação jovem da noite. Lembro da minha única queda de cavalo, na rua da nossa casa. E lembro que voltei a montar no mesmo dia. Sim, eu andei muito a cavalo pela praia, em Maria Farinha. Lembro de ter amigos e paqueras de veraneio. De pegar três ônibus de linha carregando mala só pra curtir um fim de semana com a família.
Lembro de ir pra marina pegar o barquinho e ir pra Coroa do Avião comer um peixe. Lembro de andar te jet ski. Lembro de encalhar com o barquinho num banco de areia e, enquanto esperava o reboque, colocar as cadeiras pra fora, abrir o isopor e beber. Água ou refrigerante, enquanto os adultos bebiam o que interessava. Minhas lembranças da nossa casa.
Fazia muito tempo que eu não visitava a casa. Ela passou os últimos anos alugada. Era não era mais a minha casa de veraneio. Mas hoje, quando eu entreguei a chave ao novo proprietário, me vi fazendo isso com lágrimas nos olhos. Como eu estou agora. Achei até engraçado, depois de tratar de toda burocracia com a frieza que a situação pedia, me vi entregando mais do que as paredes da casa. Me vi entregando parte da minha lembrança, um cenário importante de bons momentos da minha vida. Me vi dando um abraço no senhor comprador, e desejando que ele vivesse com alegria naquela casa, que a energia que ela tem é de felicidade, e união.
E é assim que um novo ciclo começa para ela. Para a nossa casa de veraneio.