eu não sei lidar com a morte
Na verdade, eu acho que ninguém sabe lidar com a morte. Não interessa se ela vem de surpresa ou se já é esperada. Não interessa se você está num dia bom, se é uma sexta-feira de sol ou uma segunda chuvosa. Não interessa se você é rico, feio, crente ou gente boa. A morte é uma coisa que iguala a todos. Todos os que vão e também os que ficam. Que transforma todos os dias numa quarta-feira cinza. Faz todos caírem em prantos, ficarem tristes, desabarem.
Eu não sei lidar com a morte.
Minha ficha não cai, eu demoro a entender, a acreditar. Minha força toda eu dou para as pessoas, acho que é minha maneira de ficar forte. É segurando, amparando. Não importa o tamanho da minha dor, ela sempre fica menor quando eu cuido da dor dos outros. E essa dor é um buraco aberto, que só vai cicatrizando quando a gente vai preenchendo com um pouco de nós mesmos. Nada preenche esse vazio, a não ser a gente. Com nossas lembranças, nossa saudade, nossas lágrimas. Elas precisam cair e rolar, e muitas, muitas vão rolar pra sempre. Porque é uma forma de reconhecer que se faz falta é porque foi importante e foi bom. As lágrimas são um sinal de que tudo valeu a pena, são o troféu da falta.
Eu não sei lidar com a morte.
Acho que por isso que quando ela aparece, eu coloco meu foco na vida. É impressionante o poder de transformação que a morte tem na nossa vida. Ela transforma as pessoas que ficam, transforma as memórias, as histórias. Ela aproxima pessoas distantes, ela faz com que a gente resolva problemas, ela esquece assuntos inacabados. Ela nos mostra quando era só orgulho, quando era uma besteira, quando não valia a pena. Ela dá um tapa na cara que abre o nosso olho para o que realmente importa, e é quando nos damos conta que desperdiçamos tanta energia a toa. A vida tem dessas coisas, o triste é que as vezes só nesses momentos que nós nos damos conta disso. E da importância de viver leve, viver bem, viver feliz e cercado de quem a gente ama.
Eu não sei lidar com a morte.
Porque ela é autoritária e não dá direito de resposta. Ela é aquela que fala e bate a porta na nossa cara, indo embora. Ela é aquela que sempre tem a voz mais alta e o ponto final. Nunca gostei disso. Gosto de questionar, querer entender, tentar remediar, mudar. Mas com ela não tem negociação, não tem “mas, porque?”, não tem. Com ela não tem nem espaço pra dizer que foi injusto, de praguejar e pedir a revisão, a tréplica, recorrer. Ela nos puxa pra um buraco tão fundo que nem opção ela nos dá, nós só podemos ir pra cima e melhorar. Depois que ela aparece não adianta nem querer ficar mais triste do que se está, ela é o máximo da tristeza, da dor. Ela é tão mandona que só nos oferece a chance de melhorar e ficar bem, não tem outra opção. Então diante disso nos resta abaixar a cabeça e aceitar. Aceitar que o tempo vai passar. Aceitar que vamos melhorar. Aceitar que vamos sorrir. Aceitar que vamos viver.
Eu não sei lidar com a morte.
Porque ela faz nossos sorrisos parecerem injustos. Nossa felicidade ser errada. Ela faz com que a gente queira que o mundo pare para a nossa dor, para a nossa tristeza. Ela faz com que tudo pareça errado demais ou cedo demais pra continuar seguindo em frente. Mas injustos somos nós, que somos egoístas em querer colocar em quem vai o fardo dessa dor. Não, quem vai não merece essa culpa de ver que as coisas pararam. Quem vai quer que a gente siga, que a gente sorria, que a vida ande. E ela anda, e o tempo passa, e a dor diminui. Não é errado cair na gargalhada, fazer uma piada, fazer uma festa. Não é errado transformar a dor em saudade e boas lembranças. Não é errado, muito pelo contrário, é a única coisa que temos certeza de que está certo. Porque eu posso não saber lidar com a morte, mas ela me ajuda a saber lidar melhor com a vida
Vamos viver, amar e ser felizes intensamente. Gastar nossas energias com o que, e com quem, vale a pena. E vamos deixar o tempo passar, porque só ele pode nos empurrar para os próximos passos.